4 de agosto de 2005

Aristóteles - Parte III

Parte III: Homem Agente
Meios e Fins

Suponha que você tenha R$ 1.000,00 sobrando na sua conta corrente. O que fazer com eles? Talvez você precise consertar os armários da cozinha, e o dinheiro viria bem a calhar. Talvez você prefira fazer uma viagem ou matricular-se num curso de inglês. Ou ainda guardar o dinheiro para usá-lo numa emergência médica.

Como escolher a melhor opção? Qual critério ou critérios devemos utilizar em nossas escolhas?

Pensamentos desse tipo é o que chamamos de pensamento prático. Conforme vimos na parte anterior, o pensamento produtivo versa sobre coisas a serem produzidas. O pensamento prático, por outro lado, versa sobre nossas ações. Para produzirmos algo, vimos que são necessários dois fatores: idéias produtivas e know-how. No nosso agir, há também dois fatores: uma idéia da meta a ser alcançada e idéias sobre maneiras de alcançá-la. Esta é uma outra maneira de dizer que, no pensamento prático, temos um fim a ser alcançado e os respectivos meios que podemos empregar para alcançar tal fim.

Será que um meio é bom quando o fim a que se destina também é bom? Os meios são bons na medida em que nos ajudam a alcançar nossa meta, mas podem ter suas conseqüências negativas. Por exemplo, roubar é um meio para obter dinheiro para uma viagem, mas há conseqüências negativas no roubo que gostaríamos de evitar. Perceba que o meio que empregamos para obter dinheiro para a viagem acabou nos levando a um outro fim, indesejado: a cadeia.

Observe também que o roubo, além de meio, foi também um fim usado para outro fim, que é obter dinheiro para a viagem. Assim, fica claro que meios podem ser fins que temos de alcançar para alcançarmos outros fins e, similarmente, fins podem ser meios que temos de alcançar para outros fins.

Essa observação é interessante porque levanta dúvidas importantes (1) Será que há meios que são apenas meios, e nunca fins? e (2) Será que há fins que são apenas fins, e nunca meios? Outra maneira de formular as mesmas perguntas é (1) Há coisas que desejamos em prol de outras coisas e nunca em prol de si mesmas? e (2) Há coisas que desejamos em prol de si mesmas e nunca em prol de outras coisas?

Para responder a essas perguntas, vale à pena refletirmos um pouco sobre meios e fins. Ora, se todo fim fosse um meio para outro fim e este outro fim fosse um meio para ainda outro fim, indefinidamente, então o pensamento prático seria impossível! E se um meio for em si um fim que necessite de outro meio para alcançá-lo, então igualmente jamais poderíamos iniciar qualquer ação.

Portanto, deve haver fins que não são meios para outros fins. E deve haver meios que são puramente meios, não sendo fins que necessitem de outros meios para alcançá-los.

Viver e Viver Bem
E qual seria este fim que não é meio para outro fim? Em outras palavras, o que é um fim em si mesmo – um fim último – que não serve de meio para mais nada? Sócrates dizia que uma vida não examinada não vale à pena ser vivida. Aristóteles foi mais longe, dizendo que uma vida não planejada não vale à pena ser examinada, pois uma vida não planejada é aquela da qual não sabemos o que estamos tentando fazer, aonde pretendemos chegar nem o porquê. É uma confusão, uma bagunça.

Planos errados há muitos, mas somente um plano pode ser o plano certo. Se você adotar um dos planos errados então você acabará não tendo uma boa vida. Para ter uma boa vida, devemos vivê-la de acordo com o plano certo.

Não deixa de ser chocante falarmos de “plano certo”. Mas qual é o plano certo? O que faz desse plano ser o certo e todos os outros serem errados? O plano certo é aquele que almeja o fim último certo. E qual é este fim que todos buscamos, que torna o plano certo para todos nós? O fim certo que todos devemos buscar é uma boa vida. Perceba que viver bem é um fim em si mesmo, ou seja, viver bem não é um meio para outro fim.

A palavra que Aristóteles usa para viver bem é normalmente traduzida como felicidade. Felicidade é aquilo que todos buscamos. Ninguém, se perguntado por quê quer a felicidade, pode dar uma razão. Dar uma razão para querer a felicidade seria tratar a felicidade como meio para um outro fim. Mas não há esse outro fim. Não há nada além da felicidade.

Bom, Melhor, O Melhor

Esta descoberta não deixa de ser intrigante. Ora, há no mundo alguns bilhões de homens e mulheres, então como podemos dizer que há um e mesmo plano certo para viver bem e alcançar a felicidade para todas essas pessoas? É verdade que cada homem é um ser individual, com vida individual e experiências individuais. Mas também é verdade que todos os homens, enquanto membros da mesma espécie humana, participam de uma humanidade comum; há traços e atributos que são comuns a todos os homens.

As diferenças entre os homens são diferenças em grau. Por exemplo, uns enxergam melhor que outros, uns alimentam-se mais que outros, uns raciocinam melhor que outros. Estes exemplos servem para nos ajudar a constatar o fato que os homens possuem desejos que não são adquiridos ao longo da vida, mas que nascem com eles. Enxergar, alimentar-se e raciocinar, por exemplo.

Quando dizemos que precisamos de comida, dizemos que temos um desejo de comida. Quando dizemos que queremos um novo automóvel, também dizemos que temos um desejo de um novo automóvel. Essas duas palavras – “precisar” e “querer” – indicam desejos , mas não desejos do mesmo tipo.

Necessidades são desejos inatos – isto é, desejos que pertencem à nossa natureza humana pois são capacidades ou tendências comuns a todos nós.

Em um de seus mais importantes tratados, Aristóteles diz que o homem por natureza deseja conhecer. Em outras palavras, ele quer dizer que o desejo de conhecimento do homem é tão natural quanto o desejo de comida, com a diferença que a fome nos alerta quanto à falta de comida, enquanto que não há um mecanismo semelhante que nos alerte quanto à falta de conhecimento. E este fato não deve nos levar ao erro de achar que, como o desejo de conhecer não se manifesta, logo ele não existe.

Note que nossas necessidades (“precisar”) nunca estão erradas ou mal orientadas, mas nossas vontades (“querer”) frequentemente estão. Você não consegue ter uma necessidade errada.

Que fique clara, portanto, a distinção que Aristóteles faz entre desejos naturais (“precisar”) e desejos adquiridos (“querer”). E Aristóteles diz que o plano certo para alcançarmos a felicidade (boa vida) é um plano que contemple buscarmos e adquirirmos tudo aquilo que seja realmente bom possuirmos, ou seja, tudo aquilo que precisamos não apenas para viver mas para viver bem.

Dado que os desejos naturais são os mesmos em todos os homens, eis por que o plano certo para a felicidade é o mesmo para todos os homens. Todavia, sabemos que quando tais desejos naturais, ou necessidades, são minimamente satisfeitas, isso não basta para dizermos que “vivemos bem.”

Um plano é melhor que o outro na medida em que guia o indivíduo para uma realização mais completa de seus talentos e capacidades e para uma satisfação mais completa de suas necessidades. E o melhor plano de todos – o que temos de adotar – é aquele que almeja todos os bens reais na medida certa e na ordem certa e, além disso, que nos permita buscar as coisas que queremos mas não precisamos, contanto que obtê-las não signifique interferir na busca de nossas necessidades ou na realização de nossos talentos e capacidades.
Como Buscar a Felicidade

Afinal, quais os reais bens que todos devemos buscar? Se produzir bens é o fim, então os meios para atingi-lo são as idéias produtivas e o know-how, conforme vimos anteriormente. Mas no caso da felicidade, não há este se. Todos temos de buscar a felicidade, não conseguimos escapar disso. Mas como fazê-lo, afinal?

Aristóteles nos oferece duas respostas para essa pergunta. A primeira resposta consiste em enumerar os reais bens que todos necessitamos. A segunda resposta consiste numa prescrição para obtermos todos os bens reais que necessitamos ao longo da vida. A primeira é mais fácil de responder do que a segunda.

Primeira resposta. Na condição de animais, temos corpos que necessitam de certos cuidados. Como animais humanos, temos mentes que precisam ser exercitadas de dada maneira. Alguns dos bens reais que precisamos Aristóteles chama de bens corporais, tais como saúde, vitalidade e vigor. E dado que nossos sentidos nos permitem experimentar prazeres e dores corporais, Aristóteles também inclui tais prazeres dentre os bens reais. E para promover nossa saúde corporal, vitalidade e prazer, necessitamos de comida, bebida, habitação, vestuário e sono. Aristóteles agrega todas essas coisas em um termo: bens externos ou riqueza. Há ainda um terceiro tipo de bens que Aristóteles chama de bens da alma, que poderíamos também chamá-lo de bens psicológicos. O mais óbvio desses bens da alma são os bens da mente, tais como conhecimento, know-how e habilidades. Dentre as habilidades que todos precisamos, destaca-se a habilidade de pensar. Precisamos dela não somente fazer coisas bem feitas, mas também para agirmos bem e vivermos bem. Menos óbvio talvez sejam os bens da alma que necessitamos como animais sociais. Nós naturalmente desejamos amar outros seres humanos como desejamos ser amados por eles. Uma vida desprovida de amor – uma vida sem amigos – é uma vida desprovida de um bem altamente necessário.

Segunda resposta. Acima e além de todos os bens reais que mencionei acima, há mais uma classe de bens que necessitamos – bons hábitos; mais especificamente, bons hábitos de escolha. Por exemplo, possuir habilidade para jogar tênis é um bom hábito corporal, e possuir habilidade para resolver problemas matemáticos com facilidade é um bom hábito da mente; mas em contraste a esses hábitos, há aqueles que nos permitem tomar certas decisões com regularidade, com facilidade, sem termos de percorrer todo o processo de ponderação e reflexão novamente para só então escolhermos o melhor curso de ação. Aos bons hábitos Aristóteles chama de virtudes. Os bons hábitos relacionados a dons e habilidades chamamos de virtudes intelectuais. Os bons hábitos relacionados a comportamentos e caráter chamamos de virtudes morais. Ambos tipos de de virtudes são bens reais que necessitamos para uma boa vida. Mas as virtudes morais desempenham um papel especial em nossa busca da felicidade. Tão especial que Aristóteles nos diz que uma boa vida é aquela vivida por meio de escolhas ou decisões moralmente virtuosas.

Bons Hábitos e Boa Sorte

As escolhas e decisões que tomamos e que não nos deixam com remorsos são aquelas que contribuem para a busca da felicidade pois colocam os bens reais na ordem certa, limitando a quantia desses bens quando for necessário e pondo de lado as coisas que você quer em prol daquilo que você precisa.

Virtude moral é o hábito de tomar decisões certas. E o que devemos fazer para formamos esses hábitos? Por exemplo, se você quiser criar o hábito de chegar pontualmente em seus compromissos, terá de tentar ser pontual repetidamente, reiteradamente. Gradualmente, o hábito de ser pontual será formado. Uma vez formado, você terá disposição firme e resolvida de chegar na hora prometida. Quando mais forte o hábito, mais fácil será agir dessa maneira e mais difícil será quebrar o hábito, ou seja, agir de maneira contrária ao hábito. Você sentirá prazer ao fazer aquilo que está habituado, e não fazê-lo ou fazer o contrário do hábito será doloroso. E, observe, isso vale tanto para bons hábitos quanto para maus hábitos.

As virtudes morais, ou seja, os bons hábitos, são hábitos de tomar decisões certas entre bens reais e aparentes. Maus hábitos, que Aristóteles chamava de vícios, são hábitos de tomar decisões erradas. A pessoa virtuosa é aquela que toma decisões certas regularmente, embora não necessariamente sempre. Eis por que Aristóteles considera a virtude moral o meio principal para se alcançar a felicidade e a mais importante de todas as coisas que devemos possuir. Observe também que a virtude moral é um bem ilimitado, ou seja, não há como você ter virtude moral em excesso.

Temperança. Aristóteles ensina que uma das expressões da virtude moral é a temperança. A temperança consiste em habitualmente resistir a se entregar aos prazeres de todo tipo ou resistir às tentações de obter mais do que seria bom para nós em termos de bens limitados, como a riqueza por exemplo. Ter temperança significa resistir àquilo que parece bom a curto prazo em prol daquilo que realmente é bom a longo prazo.

Coragem. Outra expressão da virtude moral é a coragem. É similar à temperança, mas com uma diferença fundamental. Ter coragem significa ter disposição habitual em esforçar-se para fazer aquilo que temos de fazer em prol da boa vida. Estudar, aprender a tocar um instrumento musical, escrever bem ou pensar bem são atividades que envolvem práticas frequentemente maçantes, fatigantes. Evitar fazê-las em prol de um prazer momentâneo e fortuito, e fazer disso um hábito, é um vício que Aristóteles chama de covardia.

Temperança e coragem são semelhantes em um aspecto importante. Ambos são hábitos de escolher entre as coisas que parecem ser boas e as coisas que realmente são boas. Aristóteles também percebeu que é difícil para os jovens fixar o olhar em bens futuros e remotos em detrimento dos prazeres e dores presentes e imediatas.

E Aristóteles também nos alerta que possuir bons hábitos de escolha é requisito mas não é uma garantia. Mesmo de posse de todas as virtudes morais necessárias para uma boa vida, podemos falhar assim mesmo. Por que? Porque não estamos aptos a controlar as condições sob as quais nascemos e somos criados. Muito do que acontece conosco acontece por acaso ao invés de fruto de nossas escolhas. Boa sorte é tão necessário quanto bons hábitos.

Aristóteles resume tudo isso afirmando que obter sucesso em viver uma boa vida depende de duas coisas: possuir virtudes morais e ser abençoado com boa sorte (boa fortuna). Enquanto as virtudes morais impedem que caminhemos na direção errada e escolhamos coisas que não são realmente boas para nós, a boa fortuna nos supre de bens reais que não estariam de outra forma disponíveis a nós.

Dentre os bens que provêm da boa fortuna estão as coisas que dependem do ambiente físico e da sociedade que nascemos, crescemos e vivemos. Aristóteles não nos deixa esquecer que somos animais sociais além de organismos físicos. Ter uma boa família e viver numa boa sociedade são aspectos tão importantes quanto viver em meio a boas condições climáticas e ambientais (ter ar, água e outros recursos físicos disponíveis e de boa qualidade).

Justiça. Dado que não conseguimos viver em completa solidão, somos forçados a pensar no que temos de fazer para viver bem com as outras pessoas. Eis por que, além de coragem e temperança, Aristóteles considera a justiça como uma expressão da virtude moral. A justiça se preocupa com o bem dos outros, não apenas de nossos amigos, familiares e daqueles que amamos, mas de todo mundo.

É interessante notar que as três virtudes mencionadas são inseparáveis. As pessoas que não possuem temperança e coragem prejudicam a si mesmas ao habitualmente fazerem escolhas erradas. E pessoas que habitualmente fazem escolhas erradas também serão injustas e prejudicarão outras pessoas e a sociedade em que vivem. Por exemplo, considere a pessoa que quer mais riqueza do que é realmente boa para ela; ou a pessoa que se entrega aos apetites dos prazeres corporais. Tais pessoas certamente arruinarão suas próprias vidas e acabarão prejudicando as pessoas à sua volta.

O Que os Outros Têm o Direito de Esperar de Nós

Além disso, percebemos que a virtude da justiça é aquela que, dentre as três, versa sobre nosso relacionamento com outras pessoas, enquanto que a coragem e a temperança versam principalmente sobre hábitos que temos para conosco mesmo. Aristóteles sabiamente afirma que se todos os homens fossem amigos, a justiça não seria necessária. Se todos fôssemos amigos, não seria necessário formar o hábito da justiça pois, uma vez amigos, a preocupação para com os outros seria redundante e, afinal, desnecessária. Aristóteles também diz que a justiça é o elo que une os homens em Estados, já que nem todos os membros de uma sociedade são amigos entre si.

Em verdade, pertencemos a diversas associações e grupos organizados. Somos membros de uma família, mas podemos ser membros de um clube, escola, condomínio, empresa etc.

Podemos distinguir dois tipos de associações. Escolas, hospitais, empresas, clubes, universidades etc têm por objetivo servir a algum bem em particular. A família e o Estado não são assim. A família tem por objetivo o sustento da vida de seus membros e o Estado é uma sociedade que tem por objetivo enriquecer e aprimorar tais vidas. O que leva os homens a se agruparem em famílias e famílias a se agruparem em tribos e tribos a se agruparem em sociedades ainda maiores, segundo Aristóteles, são as vantagens obtidas dessas associações mais amplas e inclusivas. É importante lembrarmos que os homens não desejam apenas viver, mas viver bem – tão bem quanto possível. Sobreviver é uma condição indispensável para viver bem, mas insuficiente. Então, a família, a tribo e o Estado foram justamente as sociedades criadas para cumprir este fim.

Mas família, tribo e Estado não são como colméias, ou seja, não são como agrupamentos de outros animais. Todas as abelhas comportam-se similarmente e as colméias refletem tal comportamente similar. Diferentemente, as sociedades humanas existem em inúmeros tipos e estabelecem usos, costumes e leis as mais diversas. Assim, de acordo com Aristóteles, as sociedade humanas são, em sua origem, formadas naturalmente, voluntariamente e propositalmente, em vez de movidas apenas por instinto, como no caso dos animais.

É isso que Aristóteles quer dizer com “o homem é um animal político”. Observe que ele não diz que o homem é um animal social, mas político. O homem cria usos, costumes e leis dentro do contexto do Estado, e não apenas de famílias e tribos. Para vivermos bem, não basta vivermos em família. Temos de viver em cidades ou Estados (polis).

Cabe aqui voltarmos a versar sobre a justiça que une os homens. Quando dois homens são amigos, no sentido rigoroso do termo, eles se amam. Seu amor os impulsiona a desejar o bem do outro – a desejar o benefício do outro, a fazer o que for necessário para melhorar e enriquecer a vida do outro.

Numa sociedade, desde uma família até um país inteiro, raramente as pessoas se amam. Então, o que as manterá unidas não será amor, mas justiça. A justiça, assim como o amor, preocupa-se com o bem do próximo. Porém, há uma diferença essencial entre eles.

Quando nós amamos alguém, não damos à pessoa amada aquilo que ela tem o direito de exigir de nós. Ao contrário, nos entregamos generosamente e desinteressadamente, sem ligar para seu direito. Fazemos à pessoa amada mais do que ela tem o direito de esperar de nós. Às vezes, amamos quem não nos ama em retorno. Não fazemos questão de obter retorno de nosso amor. Mas quando agimos justamente para com outros, dando-lhes aquilo que têm o direito de esperar de nós, somos egoístas no sentido que queremos justiça em retorno.
Ora, mas o que os outros têm o direito de esperar de nós? Que não façamos nada que impeça ou obstrua o próximo de buscar sua felicidade, ou seja, que não façamos nada que impeça ou obstrua o próximo de obter ou possuir os bens reais de que precisam para viver bem.

E é aí que entra o Estado. São as leis instituídas pelo Estado que dirão aos membros daquela sociedade como devem fazer para agir justamente. Obviamente, há indivíduos que não têm a virtude da justiça, isto é, agem injustamente por hábito ou mesmo esporadicamente. É por isso que as leis devem ser impostas pelo Estado, para evitar que um indivíduo agrida outros, violando seus direitos.

A esta altura, talvez tenha lhe surgido uma dúvida. Se agir justamente significa não impedir ou obstruir a busca da felicidade do próximo, será que agir justamente também significa agirmos positivamente para ajudarmos o próximo em sua busca da felicidade? Segundo Aristóteles, a resposta é não. É a generosidade do amor, não as obrigações da justiça, que devem nos impulsionar a ajudar o próximo a obter os reais bens necessários para uma boa vida. No entanto, embora o Estado não deva obrigar os homens a agirem positivamente na promoção do bem-estar do próximo, as leis, sendo obedecidas, acabarão por indiretamente promover tal bem-estar.

O Que Temos o Direito de Exigir dos Outros?

O que temos o direito de exigir dos outros? Nossos direitos baseiam-se, conforme vimos, naquilo que é bom para qualquer ser humano pois atendem às necessidades inerentes à mesma natureza hunana. Se é assim, então você tem o direito de exigir dos outros o mesmo que os outros têm o direito de esperar de você.

Conforme vimos, as sociedades humanas – famílias, tribos, Estados – surgiram para ajudar os homens a atenderem suas necessidades comuns à sua natureza. É evidente que tais sociedades podem falhar em seus intentos, e mesmo impedir ativamente que os homens atendam suas necessidades.

Aristóteles percebeu que o Estado era necessário porque os homens não estão perfeitamente unidos em amor e nem são perfeitamente justos. Já que o Estado é necessário, segue que o Estado em si é bom. Mas quando um Estado deixa de ser bom e torna-se mau? Para Aristóteles, a linha que divide formas boas de formas ruins de governo é determinada pelas respostas à três perguntas:

Primeira, o governo serve o bem comum do povo governado? O governo que serve os interesses pessoais dos governantes é tirânico.

Segunda, o governo é ditado apenas pelas vontades dos governantes ou assenta-se sobre leis previamente elaboradas e aceitas pelos governados? O governo que governa pela força, seja por um ou vários homens, é despótico, mesmo que tal governo seja benevolente e bem-intencionado. O governo que não é despótico nem tirânico é chamado por Aristóteles de governo constitucional ou governo político (político no sentido de que é adequado para a polis, para as sociedades políticas, para os Estados).

Terceira, a respeito dos governos constitucionais, a constituição – a lei fundamental sobre a qual o governo em si é baseado – é justa? E as leis feitas por tal Estado são justas?
O melhor Estado, segundo Aristóteles, não limita-se apenas a ser um governo constitucional. Para ele, o melhor Estado é aquele que auxilia seus cidadãos na busca da felicidade. O Estado pode ajudar a superar as privações e falta de sorte de seus cidadãos, isto é, tudo aquilo que os cidadãos sofrem por causas fora de seu controle. O Estado pode, assim, auxiliá-los a superar tais sofrimentos e privações. Mas atenção: uma coisa que o Estado jamais poderá fazer é tornar seus cidadãos moralmente virtuosos, pois adquirir virtudes é algo que depende inteiramente das escolhas pessoais dos cidadãos. O Estado pode fornecer as condições que incentivem os cidadãos a serem moralmente virtuosos, eis tudo. Mas está nas mãos dos cidadãos fazer bom uso de tais condições.