28 de dezembro de 2017

São Justino, o Filósofo




Antes de sua conversão, Justino (+165) era um proeminente acadêmico. Ao estudar as escolas modernas de filosofia – estoicos, pitagóricos entre outros – deteve-se no neoplatonismo, cuja filosofia supostamente percebia a Divindade. Porém esta filosofia tampouco o satisfez. Foi então que interessou-se pelo Cristianismo. As acusações que os pagãos lançavam contra o Cristianismo nas quais em princípio ele acreditava provaram ser meras calúnias, enquanto os cristãos morriam tão corajosamente por sua fé. E eis que nesta época, exatamente quando despertava em Justino uma simpatia pelo Cristianismo perseguido, ele encontrou por acaso, à beira-mar, um mestre cristão – um ancião – cuja conversa influenciou sua decisão em converter-se ao Cristianismo. A conversa com o ancião foi longa, e sua substância foi puramente filosófica. Citaremos aqui apenas os momentos mais marcantes para Justino.

Eis como tudo aconteceu. Um dia, Justino, que vivia em uma cidade próxima ao mar (provavelmente Éfeso), estando ocupado na ocasião com pensamentos e questões sérias, saiu para caminhar em uma campina não muito distante da costa a fim de entregar-se às suas reflexões em solidão. Ele queria ficar a sós com seus pensamentos, mas conforme vagueava à beira-mar, notou que estava sendo seguido por um velho desconhecido, muito belo, que portava-se de maneira majestosa. Surpreso, Justino olhou em torno e, de maneira um tanto suspeitosa, fitou-lhe os olhos.

“Você me conhece?”, perguntou de repente o velho a Justino.

“Não”, respondeu Justino.

“Então por que você está olhando para mim?”

“Não esperava encontrar alguém aqui neste lugar quieto e tranquilo”, respondeu Justino.

Após estas palavras iniciais, travou-se uma conversa entre ambos. E esta conversa versou sobre questões filosóficas.

“Diga-me”, perguntou o velho a Justino a certa altura da conversa, “o que é filosofia e no que consiste sua felicidade?”

“A filosofia”, respondeu Justino, “é o entendimento de tudo o que existe e o conhecimento da verdade; a felicidade transmitida pela filosofia consiste na posse deste entendimento”.

Observe que o pagão Justino, o Filósofo, em essência disse exatamente a mesma coisa que encontramos hoje nos livros de nossa intelligentsia. Notamos que nada mudou nestas definições ao longo dos últimos dezoito séculos. A mente filosófica inquisitiva, naqueles tempos bem como hoje, encontram a felicidade no conhecimento. Todavia, o coração cristão, conforme aprendemos na Philokalia e na vida de Serafim de Sarov, encontra a felicidade antes de tudo na aquisição do Espírito Santo. E o conhecimento surge apenas depois, em função da consecução deste objetivo principal.

Bem, retornemos à conversa de Justino com o ancião cristão. Da filosofia o assunto da conversa mudou para o entendimento da Divindade, e eis que lhe pergunta o ancião a Justino: “Como podem seus filósofos helênicos raciocinarem corretamente acerca de Deus e afirmarem alguma verdade a Seu respeito se eles nunca viram a Deus, nunca ouviram a Deus e, portanto, nunca obtiveram conhecimento algum acerca dEle?”

Respondeu Justino: “O poder da Divindade não é visto com os olhos corporais. . . . Somente com a mente pode-se perceber a Deus. É isto o que ensina Platão, a cujos ensinamentos eu sigo”.

Dizendo isso, Justino foi levado por este assunto tão interessante. Ele começou a desenvolver perante o ancião a explicação de como, segundo a doutrina de Platão, a Divindade é percebida. Por fim, o ancião asseverou a Justino: “A mente do homem, se não for dirigida pelo Espírito Santo e iluminada pela fé (isto é, se não adquirir o Espírito Santo), é totalmente incapaz de conhecer e entender a Deus”.

E eis que o ancião começou a falar-lhe sobre o Espírito Santo, sobre o Salvador do mundo, sobre os profetas; e assim concluiu sua dissertação: “Em primeiro lugar, reze diligentemente ao Deus verdadeiro para que Ele lhe abra as portas da luz, pois somente aquele a quem o próprio Deus considerou digno de revelação pode contemplar e entender as coisas divinas; e Ele abre a todos que buscam a Ele em oração e dEle se aproximam com amor”. Dito isto, o ancião partiu.

Justino foi deixado a sós à beira-mar com seus pensamentos. Nunca mais encontraria o ancião, mas as palavras do ancião muito impressionaram ao filósofo. Justino expressou os sentimentos da ocasião desta forma:

“Uma espécie de chama explodiu dentro de mim, inflamando minha alma a esforçar-se em busca de Deus e aumentando em mim o amor pelo santos profetas e pelos amigos de Cristo. Ao ponderar sobre as palavras do [ancião], dei-me conta que a filosofia proclamada por ele era a única verdade; comecei então a ler os livros dos profetas e apóstolos e a partir daí tornei-me um verdadeiro filósofo, ou seja, uma verdadeiro cristão.”

Contudo, Justino só pôde ser tocado pelas palavras do mestre cristão porque seu coração já estava próximo de sentir a Deus. A razão superior de Justino, apesar de sua vida pagã, não estava completamente sufocada. O instinto desta razão foi despertado pelas inspiradoras palavras do ancião.

Fonte: Mitrofan Lodyzhensky, Light Invisible, Holy Trinity Publications, Jordanville, NY, EUA, 2011. Pág. 107-109. Trechos selecionados.